Combatendo o estigma

A “fobia de puta” e a arrepiante ação social pública de Ashton Kutcher: o problema com banir a prostituição

Por Josh Eidelson para Salon

Tradução de Renato Martins

“Enquanto houver mulheres que são chamadas de putas, haverá mulheres que acreditam que a pior coisa, fora a morte, é ser uma, ou ser confundida com uma”, diz a escritora e jornalista Melissa Gira Grant em seu livro que está para sair, Playing the Whore: The Work of Sex Work (Desempenhando o papel de puta: o trabalho do trabalho com sexo). “E enquanto isso for assim, os homens sentirão que podem largar putas como mortas com impunidade.”

Grant, que já fez trabalho de organização comunitária em torno do trabalho com sexo e já foi trabalhadora sexual, falou na sexta-feira com a Salon sobre os argumentos contra proibir a prostituição, os vínculos entre trabalho sexual, serviço comunitário e trabalho em mídias sociais e os desafios de construir um movimento das trabalhadoras sexuais. Segue-se um resumo de nossa conversa:

P: Você escreve que “puta talvez seja o insulto intersetorial original”. Como assim, e como isso dá forma à política do trabalho sexual?

R: O que nós esquecemos, ao falar sobre o que as trabalhadoras sexuais chamam de “fobia de puta”, é que não se trata apenas de uma forma de fobia, ou medo, ou repugnância dirigida às pessoas que fazem trabalho sexual. Há algo mais acontecendo aí. E isso é o “estigma de puta”. E o “estigma de puta” é algo que não se aplica somente a trabalhadoras sexuais, pode-se aplicá-lo a um monte de coisas… Há homens que fazem trabalho sexual, pessoas que são trans, ou que não se encaixam em gêneros que fazem trabalho sexual, mas parece que a parte do leão de nossa bagagem cultural em torno do trabalho com sexo tem realmente como alvo a mulher, e isso por causa do “estigma de puta”. Que existe uma maneira como as mulheres são percebidas como sexuais demais, baratas demais… Todas essas coisas se referem a preconceitos sobre raça, classe e gênero. E nunca é uma coisa só…

Estudei as reações que mulheres de cor que são feministas, particularmente mulheres negras, tinham às “marchas das vadias”, e achei isso muito instrutivo. Você sabe, dizer que reivindicar nossa sexualidade é uma coisa quando você não está socialmente estigmatizada como alguém que já é uma vadia, da maneira como a sexualidade das mulheres negras é socialmente estigmatizada. Mas isso não é apenas operar com base em “você é uma mulher sexualmente insubmissa, você é sexual demais, você é vadia demais”, mas é operar sempre com nossas ideias sobre raça e classe, e também uma representação de gênero. Olhando para quantas vezes mulheres são policiadas nas ruas, acusadas de ser trabalhadoras sexuais só por estarem em público enquanto trans, e quão generalizado esse fenômeno é. É o que eu quero dizer quando digo que isso é “o insulto intersetorial original”. É assim que pessoas reais experimentam o fluxo da opressão em suas vidas cotidianas. Não é apenas sobre “trabalho sexual”, é sobre raça, e classe, e gênero.

P: Muitas das causas liberais se referem a banir ou restringir mercados – fazer o Estado dizer que você não pode comprar ou vender órgãos, ou comprar ou vender votos; você não pode comprar ou vender mão de obra por US$ 1 por hora; você não pode impor o assédio sexual como condição para um emprego. Esses projetos estão em conflito com legalizar o fato de fazer sexo como condição para um trabalho?

R: Eu vejo isso de uma perspectiva muito diferente, que é quando olhamos para o tipo de proteção ao emprego que as pessoas têm disponível em outros tipos de trabalho – as trabalhadoras sexuais também têm essas proteções? Portanto, se nós criminalizamos o trabalho sexual, se não o encaramos como trabalho, e se o encaramos como um comportamento criminoso, então não, as pessoas não terão acesso a esses paliativos legais. Mesmo as formas de trabalho sexual que são legais, como stripping ou pornografia – é muito raro que as pessoas que se engajam nesse trabalho possam ter as mesmas proteções num local de trabalho que seja livre de assédio sexual, um local de trabalho onde elas possam reivindicar compensação ao trabalhador e dizer que são levadas a sério…

Portanto, o que eu levanto no livro é que a criminalização é uma forma de regulamentação. E é uma forma de regulamentação do local de trabalho em termos de controle e poder no local de trabalho, e as circunstâncias estão nas mãos da polícia. E não há nenhuma oportunidade para segurança e supervisão nessa situação. É incrivelmente difícil monitorar as maneiras como a polícia trata as trabalhadoras sexuais, a não ser que realmente tenhamos uma maneira para as trabalhadoras sexuais se manifestarem. Ou mesmo obter estatísticas sobre as interações das forças da lei com as trabalhadoras sexuais…

Vejo a polícia como alguém que institucionalizamos como “o patrão”, no que se refere à prostituição… Nosso impulso para criar condições de trabalho seguras para os trabalhadores está certo, mas as trabalhadoras sexuais estão reivindicando coisas bastante diferentes do que as pessoas esperam. Portanto, o tipo de coisa que eu ouço com frequência e com que estou tentando lidar é: “Bom, se o trabalho sexual fosse legalizado, então ele seria sujeito a licenças, impostos e regulamentação”. E você sabe, olhando para os exemplos da Nova Zelândia e da Austrália, que adotaram formas diferentes de descriminalização da prostituição, elas também disseram: Você sabe, há certas questões sociais que vão surgir para as trabalhadoras sexuais quando tivermos um registro de trabalhadoras sexuais que seja disponível para outros empregadores potenciais… Isso pode ser uma coisa que aparece se elas são hackeadas e denunciadas… Quando você tem uma mão de obra estigmatizada, você sabe, as necessidades dela enquanto trabalhadoras vão parecer diferentes. Então, isso também precisa ser considerado.

P: O que aparece no topo da lista de necessidades, nas conversas ou nas experiências que você teve?

R: Varia de lugar para lugar… Nós somos um dos únicos países industrializados que têm esse grau de criminalização do trabalho sexual… É praticamente impossível organizar uma força de trabalho quando você não pode revelar o tipo de trabalho que faz por medo de… repercussões criminais…

O estigma em torno do trabalho sexual torna muito mais difícil ser realmente honesto sobre as necessidades das trabalhadoras sexuais. Porque muito frequentemente as pessoas simplesmente se apressam a concluir que, bem, você sabe, esse é um trabalho perigoso e, portanto, a solução para você é simplesmente abandonar esse trabalho. E essa não é uma solução realista para pessoas que dependem do trabalho sexual para sobreviver.

P: Você nota que a chamada “madame de Washington DC” supostamente exigia que suas trabalhadoras declarassem por escrito que não fariam sexo com os clientes. A proibição do trabalho sexual – como ela afeta a alavancagem que as trabalhadoras sexuais têm ao lidar com seus patrões e com a polícia?

R: Aí está outro exemplo, válido não necessariamente apenas para uma força de trabalho criminalizada: em San Francisco, trabalhei muito de perto com a Enfermaria St. James, e ouvi sobre as experiências de nossos agentes de redução de danos, que iam aos locais de trabalho das trabalhadoras sexuais, fossem locais formais, como clubes de strip-tease, ou informais, quer dizer, lugares onde trabalhadoras sexuais ficavam… Eles tinham experiências muito diferentes, dependendo dos lugares em que entravam…

Eles iam com pacotes discretos de camisinhas, lubrificantes e às vezes seringas… Mas nos clubes de strip, muitas vezes eles eram mandados embora por gerentes que diziam: Não, vocês não podem entrar aqui, porque aqui não acontece sexo”. Eles estavam preocupados com que se camisinhas fossem encontradas no local de trabalho, isso de alguma forma tornaria os estabelecimentos vulneráveis a, você sabe, repressão policial ou outros tipos de repercussão da parte do conselho de entretenimento ou quem quer que esteja regulamentando seu negócio…

Na verdade, estamos colocando pessoas em situação de perigo, por causa da pressão de operar sob esses sistemas criminais – até mesmo as pessoas em ambientes de trabalho legalizados, como clubes de strip.

P: Você observou, na revista Jacobin, que os proibicionistas da prostituição podem “temer, acima de tudo, que prostitutas possam ser felizes…” Mas você também argumenta em seu livro que “insistir que as trabalhadoras sexuais só merecem direitos no trabalho quando se divertem, se amam esse trabalho, se se sentem empoderizadas por ele, é exatamente retrógrado”. Como é que a percepção da felicidade ou do descontentamento das trabalhadoras sexuais no trabalho dá forma à política em torno do trabalho sexual?

R: A felicidade também é algo que eu acho que deveríamos definir de modo um pouco mais amplo. Certo? Existe um estereótipo da puta feliz, significando alguém que está feliz pelo simples fato do trabalho sexual em que ela se engaja, não importam quais sejam as circunstâncias. Quando falo em felicidade no artigo para a Jacobin, é no contexto de também fazer reivindicações políticas e ter sua voz ouvida, e ter poder. E, você sabe, aquilo parece ser parte de um cenário que está quase ausente… A humanidade das trabalhadoras sexuais não depende de sua experiência no trabalho com sexo. As reivindicações das trabalhadoras sexuais não estão relacionadas apenas ao que elas fazem no trabalho sexual – e essas são questões muito mais holísticas do que isso…

Nossos direitos trabalhistas essencialmente não deveriam ser – para qualquer trabalhador – dependentes de se amamos nosso trabalho ou não…

De um lado, nos dizem para mudar para profissões que amamos e adoramos e, tipo, pelas quais fazemos sacrifícios… em como somos pagas ou como somos tratadas. Mas por outro lado… as trabalhadoras sexuais são rotuladas em categorias: há trabalhadoras sexuais que amam o que fazem e têm opções, e há pessoas que são oprimidas e pobres…

Nossa abordagem legal ao trabalho sexual não deveria diferenciar entre pessoas que amam e pessoas que odeiam o trabalho sexual. Pessoas que odeiam seu trabalho – que odeiam seu trabalho porque ele é perigoso – merecem os mesmos direitos que as pessoas que gostam de seu trabalho. Na verdade, elas provavelmente têm mais a ganhar com direitos trabalhistas…

Uma das partes que eu adoro naquele artigo para a Jacobin é quando eu falo com aquele tipo de cristão evangélico desprezível naquele protesto contra o Village Voice e que me diz – você sabe, sem saber nada sobre mim – que 89% das prostitutas prefeririam abandonar seu trabalho e ir fazer qualquer outra coisa. Então eu paro e penso: Bem, qual é a estatística comparável para outros trabalhadores? … Se esse é o padrão pelo qual vemos julgar as profissões das pessoas, vamos pensar nisso para todo mundo. Sabe, por que é que essa é a força de trabalho que estamos tão preocupados em proteger da exploração?

P: Você também escreveu, para a Dissent, sobre o trabalho emocional envolvido em trabalho não pago para mídias sociais. Em termos de trabalho emocional, como é que entender o trabalho sexual nos ajuda a entender outros trabalhos no setor de serviços – ou o que acontece nas mídias sociais – e vice-versa?

R: Uma das coisas mais ausentes na maneira como entendemos o trabalho sexual é o trabalho emocional e o componente de serviço, e também o componente digital… O número de horas que uma acompanhante independente dedica para fazer publicidade online e obter seus próprios clientes, em que usa sua persona para a mídia online – não é improvável que ela gaste tanto tempo mantendo aquela persona online, respondendo a e-mails, escrevendo textos de marketing para seu site, produzindo novas fotos, engajando-se com pessoas nas mídias sociais – esse trabalho digital é parte do trabalho sexual dela…

Um dos meus últimos empregos no varejo foi trabalhar para a Chocolates Godiva em um shopping center de luxo em Boston. E ninguém nunca diz que parte do seu trabalho é ser agradável com as pessoas. Isso não é realmente dito, mas sem dúvida faz parte do modelo. E eu acho isso incrivelmente subvalorizado. Você sabe o que envolve ser agradável e atraente. E há uma derrapagem entre as maneiras em que se espera que mulheres, especialmente, no setor de serviços apresentem essa coisa muito atraente, agradável e não-conflituosa, e como as trabalhadoras sexuais também têm que modular suas emoções e sua apresentação de um cliente para outro. A maneira como você tem de, tipo, encontrar modos de fazer uma conexão com eles que não exijam que você gaste toda a sua energia, porque é trabalho. E isso é algo que eu não apreciei realmente até ver acontecer no trabalho sexual… Isso é trabalho. O grau até onde você “se mostra” em uma interação de trabalho se parece com uma interação social; mas você nem mesmo quer que seu cliente pense que você está lhe vendendo alguma coisa – é como você estar apenas tendo uma conversa com ele na loja. Acho que isso é comum a um monte de tipos diferentes de trabalho em serviços, e não apenas no trabalho sexual.

Quando representei as trabalhadoras sindicalizadas de um clube de strip em uma convenção nacional do Sindicato Internacional dos Empregados em Serviços, as pessoas com quem eu me lembro de ter tido as conversas mais positivas sobre stripping foram enfermeiras e cuidadoras. Elas entendem totalmente sobre o trabalho físico, o trabalho corporal e a intimidade… Essas eram as pessoas com quem eu senti que tive as conversas mais interessantes sobre como, você sabe, o que estamos fazendo está conectado… Não surgiu nada como “Vocês são strippers? O que vocês estão fazendo aqui?”

P: Na semana passada, falei com Sara Ziff, que deu início à Model Alliance – esse grupo sindical de modelos de moda – que disse que parte do trabalho de uma modelo é “tornar o trabalho invisível”. Isso também é verdade no caso do trabalho sexual?

R: Isso é muito familiar. Varia de trabalho para trabalho – dependendo do local de trabalho; eu certamente diria isso sobre a dança. Uma das coisas que a gerência tentou incluir no contrato de trabalho do clube de strip Lusty Lady era que se tratava de um “trabalho divertido”. E as dançarinas rejeitaram isso… “Estamos desempenhando diversão. Isso é muito diferente”… Você não pode obrigar trabalhadoras a se divertir, e acho que isso foi um momento em que a gerência não entendia que existe uma diferença entre o divertimento que elas buscam produzir e o fato de ser algo que é na verdade produção de trabalho…

Uma das coisas que mais me fascinam ao falar sobre pornografia é que… mesmo nos tipos de pornografia que são representados como autênticos e empoderadores, o trabalho dos atores em produzir autenticidade às vezes é obscurecido. Não importa o que o texto do marketing diz, aquela pessoa está fazendo sexo diante da câmera como parte de seu trabalho… Elas apareceram para fazer isso no horário, e deixaram de lado coisas que prefeririam estar fazendo…

Acho tão fascinante que isso seja agora um argumento de venda – que essas são pessoas reais fazendo coisas reais. É como se o público não quisesse ser lembrado de que aquilo é trabalho…

Acabo de escrever um artigo sobre um site de pornografia em San Francisco onde um dos produtores diz que recebe comentários de membros do site dizendo coisas como “Oh, eu me sinto muito melhor por estar vendo pessoas de verdade no site, e não apenas modelos pagos”. Porque uma das coisas que o site está fazendo é promover festas sexuais abertas às quais as pessoas podem ir – apenas o público em geral que é aprovado pode ir – e participar como extras no cenário e também fazer sexo umas com as outras… Isso se tornou um argumento de venda, também: “Tem gente de verdade aqui.” E, para ser honesta, acho isso ofensivo para os trabalhadores. O que há de errado em reconhecer que o que eles estão fazendo é trabalho? Tipo, por que estamos questionando o fato de que eles estão sendo pagos? É quase como se disséssemos que se eles estão sendo pagos, então não é real, é falso.

P: Você escreve em seu livro que “uma dona de casa mantém sua legitimidade ao não pedir salário, e uma puta rompe a convenção ao pedir um”. O que o trabalho sexual revela sobre como imaginamos, valorizamos e atribuímos gênero ao trabalho?

R: Eu olho para as maneiras como organizações que representavam as necessidades das donas de casa nos anos 1970, como “Salários para Trabalho Doméstico”, como as primeiras organizações feministas que também se posicionavam ombro a ombro com as trabalhadoras sexuais, e diziam que temos algo em comum aqui… Em contraste com algumas das articulações feministas de gênero e trabalho em torno da própria prostituição, que vinham com “Oh, mas as prostitutas são as mais oprimidas, certo? Todas temos de comercializar nossa sexualidade com homens em troca do que precisamos”.

A posição da “Salários para Trabalho Doméstico” é que nossa força de trabalho, enquanto pessoas que administram uma casa, que cuidam das crianças, que produzem essa experiência de domesticidade para aquele que presumivelmente ganha salário e então vem para casa e pode aproveitá-lo – isso é o poder do trabalho. E o salário por trabalho doméstico, e o reconhecimento do trabalho das donas de casa como trabalho, não se tratava apenas de dar um cheque para elas. Se tratava de entender que aquele trabalho é o envólucro de todo trabalho…

Não se supõe que transformemos o sexo em commodity, da mesma maneira que não se supõe que transformemos o cuidar ou o cozinhar em casa em commodities. Isso levaria embora algo que as pessoas estão fazendo por amor genuíno… Mas você pode fazer coisas por amor genuíno, e também não querer fazê-lo naquele dia…

Compartilhar sexo com alguém é visto como compartilhar uma parte de si mesma. Como a maneira como pensamos em nossa sexualidade como nossa identidade e nossa individualidade – tudo isso entra…

Isso não se encaixa em como as pessoas se sentem sobre sexo em todas as circunstâncias. E acho que se você tira isso do âmbito do trabalho sexual, as pessoas podem ser capazes de desconstruir aquilo mais facilmente, como “OK, o tipo de sexo que eu tenho nessa relação aleatória não é necessariamente o mesmo tipo de sexo que eu tenho com minha parceira comprometida; não é necessariamente o tipo de sexo que eu tinha quando adolescente, quando tudo era furtivo e apressado, e eu não necessariamente chegava a gostar”…

Mas assim que o dinheiro entra na jogada, não se supõe que você atravesse aquela linha. E acho que isso tem a ver com gênero… a ideia de que o valor sexual da mulher é imposto pelo mundo externo.

P: Você criticou Ashton Kutcher e Sean Penn por esses anúncios de serviço público dizendo “Homens de verdade não compram garotas”. Você vê essa linguagem – “comprar garotas” – como apenas uma referência à ameaça de trabalho sexual forçado? Ou ela também revela alguma coisa sobre como vemos essa conexão entre sexo e individualidade?

R: Ali, quando eles dizem “garotas”, o que eles provavelmente estão dizendo é que estão falando sobre menores – pessoas que realmente têm menos de 18 anos…

Aqueles anúncios são parte integrante de todo tipo de diferentes campanhas antiprostituição cujo foco na verdade é criminalizar os homens, campanhas que operam a partir dessa premissa de que se tornássemos impossível para os homens comprar sexo, então a indústria do sexo desapareceria – de que o desejo masculino é claramente o que conduz a indústria sexual, e não as forças da pobreza em geral, ou apenas o mercado de trabalho em geral, fora da indústria do sexo, o que também seria um fator. Olhando para esses anúncios de serviço público… é meio que assustador. Sabe, eu olho para eles e penso: Isso não é sobre vocês, caras. De alguma maneira, vocês pegaram uma coisa que realmente merece atenção, que é como lidamos com a violência que as pessoas no comércio do sexo experimentam, particularmente as mais jovens, e transformaram isso numa história sobre a sua masculinidade… Para mim, isso apenas revela o preconceito por trás dessas campanhas – que é o motivo pelo qual estabelecemos padrões para comportamentos de gênero: isso é o que homens e mulheres bons fazem, e isso é o que homens e mulheres maus fazem. Não acho que isso seja uma maneira especialmente convincente de enquadrar uma questão de justiça social.

P: O que chama a sua atenção na maneira como vemos o trabalho sexual retratado na cultura pop? Chamam a minha atenção os roteiros de seriados de TV onde protagonistas inocentes acidentalmente trazem para casa trabalhadoras sexuais que eles não faziam ideia de que podiam ser trabalhadoras sexuais.

R: Há uma coisa operando aí, onde você pode dizer quem é uma trabalhadora sexual pela sua aparência… Acho que isso diz mais sobre a necessidade das pessoas de acreditarem que as trabalhadoras sexuais são de alguma maneira completamente separadas do resto da sociedade, e acho que parte da ansiedade que estamos vendo agora enquanto cultura, à medida que a indústria do sexo se diversifica e se amplia – ou talvez à medida que somos capazes de ver que ela na verdade é bastante diversa, mais do que antes –, o fato de que isso está criando algo como um pânico de categoria… “Eu achava que essa gente estava na parte ruim da cidade…” Eu acabo de ler a reportagem sobre a estudante da universidade Duke que foi denunciada por ser uma atriz pornô, e a repórter se insere várias vezes na história, como que para interrogar seus próprios preconceitos, tipo “Oh, eu não podia acreditar que ela parecia uma de nós!”

Se elas se parecem comigo, então isso é algo que eu também poderei fazer um dia.

P: Seu livro termina considerando as últimas décadas e o futuro potencial da organização das trabalhadoras sexuais. O que se destaca para você como táticas especialmente eficazes ou como formas especialmente promissoras de alavancagem?

R: Acho que a mudança que vimos nos últimos dez anos é que estamos nos afastando desses organizações que na verdade parecem ser dependentes da visibilidade de uma pessoa, e frequentemente de recursos de fora para manter alguma coisa funcionando…

Tenho visto um afastamento disso nas organizações das trabalhadoras sexuais, na direção de assumir táticas práticas e consagradas de organização comunitária – de construir seus próprios recursos e força como organização ou grupo de pessoas. Você sabe, uma boa parte do trabalho de organizar trabalhadoras sexuais não é especialmente formal…

Vejo muitos ecos do tipo de viradas e mudanças que acontecem no movimento LGTB, onde houve momentos em que organizar a comunidade LGTB era como “Não, nós gostamos de você. Queremos as coisas que todo mundo quer… A única coisa diferente entre nós é nossa orientação sexual.” E sem dúvida há momentos na organização das trabalhadoras sexuais em que sentimos a mesma coisa, algo que as pessoas chamariam de “a política da respeitabilidade”, de deixar passar e de assimilação. E há outros momentos em que as pessoas dizem “Na verdade não, nós somos bastante diferentes e temos necessidades diferentes, e isso também precisa ser respeitado. Não podemos ser levadas a sério como pessoas com reivindicações apenas na medida em que nossas reivindicações se encaixam naquilo que você pensa que elas deveriam ser.”

Um projeto de mulheres de cor sobre HIV/Aids em Nova Orleans, chamado “Women with a Wisdom” (“mulheres com sabedoria”) se engajou em uma campanha de longo prazo para acabar com a prática de denunciar pessoas que pedem ou oferecem sexo oral ou anal por dinheiro – que são coisas muito comuns de pedir em trabalho sexual… Elas estavam sendo acusadas com base nessa lei, que eu acho que vem da era napoleônica, por “crime contra a natureza”. Elas foram capazes de medir como isso impacta as mulheres de cor e trans que fazem trabalho sexual, porque elas é que são quem mais provavelmente sofre essas acusações. E conseguiram não só fazer a polícia parar de fazer aquilo: foram capazes de mudar a lei, e conseguiram pegar todas as pessoas que haviam sido condenadas por isso, e que, como consequência, haviam tido de se registrar como criminosos sexuais, e tirá-las do registro de criminosos sexuais.

E isso teve impacto sobre centenas de mulheres… Não foi uma campanha para descriminalizar toda a prostituição em todos os lugares. Era uma coisa específica sobre a qual elas conseguiram construir uma consciência na comunidade, reunir as pessoas que tinham essa experiência e encontrar uma maneira de colocar suas vozes no centro da campanha, e então, trazer pessoas que tinham muito mais recursos do que elas, como o Centro para Direitos Constitucionais… e colocar aquilo no contexto das questões mais amplas de abuso policial e direitos civis. Estou vendo cada vez mais esse tipo de trabalho.